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quinta-feira, novembro 30, 2006

Homenagem a Fernando Pessoa


No ano de 1888, em que Guilherme II se torna o “Kaiser” da Alemanha; em que é abolida a escravatura no Brasil; Hertz demonstra a existência de ondas magnécticas; Eastman inventa a máquina fotografia Kodak; o pintor Van Gogh surge com Auto-retrato e Os Girassóis e, entre outros, Eça de Queiroz com “Os Maias” fomos agraciados com o nascimento da figura emblemática Fernando Pessoa.

Este homem, que sempre teve a tendência de se envolver num mundo fictício reunindo-se com amigos e conhecidos que nunca existiram,

" Num dia em que finalmente desistira - foi em 8 de Março de 1914 - acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. (...) E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio também, os seis poemas que constituem a Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa. Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir - instintiva e subconscientemente - uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nesta altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num acto, e à máquina de escrever, sem interrupção, nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro Campos - a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.(…)
Pessoa, pacientemente, tenta explicar-lhe (a Ricardo Reis):
- É o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurastênico. Seja como for, a vossa origem mental está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Se eu fosse mulher - na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e coisas parecidas - cada poema do Álvaro de Campos (o mais histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem - e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia…"

em 1935

" Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Não: vou existir. Arre! vou existir.
E-xis-tir...
E-xis-tir...
Dêem-me de beber, que não tenho sede!"

faleceu com grandes problemas hepáticos.
Na manhã de 28 de Novembro foi transportado para o Hospital de S. Luís dos Franceses. O poeta agonizava e implorava pelo fim do sofrimento. Sob o efeito da droga de um analgésico, reflecte sobre a vida que ameaça escapar-lhe agora.

" Não sou nada
Nunca serei nada
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Estou hoje vencido, como soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer.

Ele insiste em chamar Caeiro, Reis, Campos e Soares. Como que ouvindo o chamamento do seu criador, os poetas seguem para o hospital. Pessoa em agonia. Repuxa o lençol, contrai-se.
Dá-me os óculos, os meus óculos, pede. Prepara-se para o último olhar sobre a sua criação. E eles que não chegam. Mas pressente, eles vêm, Ah se vêm.
Caeiro, Reis, Campos e Soares entram de rompante. Porém tarde, já morto o poeta. Sobram uns rabiscos num papel:

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido,
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo.
E vou escrever esta história para provar que sou sublime."

30 de Novembro!
Faz hoje (30 de Novembro de 2006) 71 anos sobre a data do seu falecimento. Todavia, cumpre 118 anos de “vida”. Termino esta homenagem com:

" Ah! a selvajaria desta selvajaria! merda
Pra toda a vida como a nossa, que não é nada disto!
Eu pr’aqui engenheiro, prático à força, sensível a tudo,
Pr’aqui parado, em relação a vós, mesmo quando ando;
Mesmo quando ajo, inerte; mesmo quando me imponho, débil;
Estático, quebrado, dissidente, cobarde da vossa Glória,
Da vossa grande dinâmica estridente, quente e sangrenta!"

Li algures, não me lembro quando: A Fama dos Mortos é o Trono dos Vivos.

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